7 de novembro de 2012

A Santa Vocação - 2Tm 1.9


Introdução:
Este breve artigo é resultado de uma palestra proferida no Seminário Teológico Cristão Evangélico (SETECEB), em ocasião do retiro celebração e vocação. Depois surgiu a necessidade de revisão e acréscimos para uma pregação proferida na Igreja Batista dos Bereanos em Salvador-BA. Foi adaptado para o formato de artigo e atualizado novamente.

Em primeiro lugar é necessário esclarecer que no artigo as palavras vocação, chamado e ministério serão intercambiáveis, este autor entende que a vocação é o chamado de Deus, pelo qual Ele cumpre seu plano. Essa vocação se torna visível quando o indivíduo e a igreja a exerce no chamado Ministério. Sendo assim, não há possibilidade de separação. O ministério é o cumprimento da vocação e a vocação qualifica e fundamenta o mesmo.

Ao longo dos anos a Igreja reconhece, seguindo as Escrituras, que essa vocação é sagrada, não porque é melhor do que as outras vocações comuns à sociedade, mas porque não é algo para benefício próprio e satisfação particular. A vocação sagrada é uma separação para Deus, é o exercício do ministério em servir a Igreja, edificando os crentes e alcançando os perdidos, uma dedicação integral ao cumprimento da Missão deixada por Jesus e confiada a homens idôneos e devotados ao Senhor. O Apóstolo demonstra essa compreensão evangélica quando nomeia o ministério de “serviços sagrados” (1Cor 9.13), um trabalho exclusivo na obra de Deus.

Essa compreensão de vocação tem mudado ao longo dos últimos anos. Devido ao crescimento dos movimentos libertacionistas, as novas questões da psicologia da religião e a sociologia, temos um alto apreço ao ser humano. Por isso, tudo o que pode prejudicar o bem estar do ser humano deve ser rejeitado, assim o conceito tradicional cristão de vocação e sacrifício pelo ministério tem sido ridicularizado e deixado de lado. Algumas pesquisas e estudos revelam esse declínio:

Segundo o instituto Francis Schaeffer: 1,5mil pastores abandonam o ministério todos os meses, de 1050 pastores - 57% trocariam o ministério por serviço secular, 40% dos seminaristas desistem no início do curso, o ministério hoje dura cerca de 2 a 3 anos em geral. Robert Clinton no livro “Criando um líder”, afirma que na Bíblia somente 30% dos líderes terminaram bem a carreira. John Maxwell “tem sugerido que a Bíblia contém uns 400 indivíduos que podem ser considerados líderes, seja por desígnio ou na atuação. Destes, ele sustenta que somente 80 pode dizer que terminaram bem”. (Apostila CLB/2001).

Entendo que grande parte desses problemas no ministério aparecem por uma defeituosa compreensão da vocação e em determinados casos pessoas que não são vocacionadas para tal obra. É comum encontrar Ministros que desenvolvem a obra sob influência de movimentos “humanistas” e novas filosofias de ministério, sem considerar seriamente a Escritura.

Podemos refletir em algumas questões que poderão nos ajudar na descoberta ou exercício da vocação para o ministério sagrado.

1.  A origem da vocação:

O chamado para a vocação é Soberano - Mt 4.18-22; 2Tm 1.3-10. Quem chama é Jesus, Ele é Senhor e cabeça da obra. Chama para uma vocação sagrada, vinda de Deus. O Espírito segundo sua providência, separa e levanta quem lhe apraz para a obra (At 13; Ef 4.11; Rm 12, 1Cor 12). Deus separa pessoas para o exercício do ministério, de acordo com os dons e realizações. Esse chamado não acontece porque Ele previu ou entendeu existir algo bom e útil em nós, mas devido a sua determinação e graça (2Tm 1.1, 9,). Toda glória pertence a Ele, e a convicção desse chamado é motivo para dizermos: “Bendito seja Deus, que não rejeita nossa oração e nem aparta de nós a sua graça” (Sl 66.20). Se a vocação é divina e recebemos o privilégio de ser instrumento de Sua vontade não temos o direito de negociar ou priorizar outras coisas em detrimento do chamado.

2.  A exigência do chamado:

A vocação requer sacrifício. Toda vocação exige um preço na vida, um investimento e uma doação de si mesmo. Em algumas ocasiões vemos que a decisão em seguir Jesus e sua obra, exigiu deixar. Talvez deixar a família e profissão para manter a primazia do Senhor em nossas vidas (Mt 4.18.22). Em muitos casos e circunstâncias se torna evidente que o ministério sagrado nos levará ao sofrimento, segundo a Escritura somos chamados a sofrer pela causa de Cristo (2Tm 2.4).

        Além das possíveis perseguições, enfrentamos as demandas, lidar com pessoas duras de coração, ingratas, dúvidas que surgem, falta de dinheiro, etc. Algo muito recorrente no ministério, seja ordenado ou leigo é a injustiça. Jonathan Edwards, o grande avivalista e um dos maiores teólogo e filósofo dos EUA, pastoreou em Northampton por vinte anos. Devido a uma controvérsia sobre a ceia do Senhor e desagrado dos presbíteros, foi exonerado, alguns até afirmam ser essa uma grande ironia. Mesmo assim Edwards não reagiu contra a igreja, continuou ministrando por um tempo e honrou seu ministério, pois tinha convicção da soberania e glória de Deus.

Aconselhando um amigo pastor, que estava desiludido, lembrei-me que o ministério mesmo sendo sagrado é administrado por homens, isso é propósito de Deus, nem uma atitude errônea o desqualifica. O próprio Jesus sofreu com os líderes da Igreja. João relata que um líder chamado Diótrefes não os deixava ir à igreja local. Mesmo assim ele permanece firme como Presbítero e amando a Igreja para serví-la e promover a vontade de Deus (3Jo 1.9). 

         O amor a Igreja e o desejo de servir na vocação nos fortalece e mantêm no caminho correto. Que Ministro nunca investiu em determinada ovelha, orou, aconselhou e se colocou na frente de lobos e em determinado momento, a ovelha por alguma questão qualquer simplesmente virou as costas? Talvez deu a vida pela Igreja e por algo pequeno ou mesmo politicagem foi demitido sem justificativa plausível? Isso tudo faz parte do ministério e não pode ser motivo de desânimo ou abandono do chamado e nem mesmo para rebaixar a importância que a vocação sagrada tem nos propósitos de Deus. A Escritura afirma: “E Ele designou alguns para...” Ef 4.11, se é assim “... quem é você, ó homem, para questionar a Deus? Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’"Rm 9.20.

         “O ministério que não custa nada não chega a lugar nenhum”. Jowet

3.  O sustento do chamado ao Ministério Sagrado – 1Cor 9.14

Quem cuida dos vocacionados – “O servo de Deus pede a Deus e informa suas atividades à Igreja”. Sou consciente de alguns grupos que defendem “o fazer tendas”, alguns mais radicais aboliram o ministério integral e até mesmo denominações têm determinado que seus Ministros devem exercer alguma atividade profissional. Por isso é necessário um esclarecimento bíblico e uma defesa coerente, ainda que breve daquilo que vem sendo a tradição ministerial da Igreja de Deus.

Em defesa do Ministério Integral – No texto acima há uma ordem ministerial, essa palavra não é no sentido absoluto do termo, senão Paulo estaria desqualificado, porém o contexto nos esclarece que a questão aqui é a primazia. No contexto de pastoreio local, o Novo Testamento prioriza a permanência do Presbítero para que haja ordem e cuidado do rebanho. Mas ao mesmo tempo demonstra que em alguns casos no campo missionário, se torna necessário o trabalho “secular”, isso trará o sustento para o obreiro no processo de plantação de igreja e não acarretará em peso a mesma.

O Apóstolo como plantador de igrejas e vivendo em contexto transcultural, escreve que em alguns casos ele mesmo precisou fazer tendas. Sou consciente de que alguns irmãos usam o “fazer tendas” como desculpa para dividir seu tempo. A revelação bíblica não permite isso, e mesmo que eu reconheça ser honroso essa atitude, devido as necessidades, como evangélico não posso criar uma doutrina tendo por base a experiência e necessidade.

A Escritura afirma que “...àqueles que pregam o evangelho, que vivam do evangelho”, e que “os Presbíteros que se afadigam na Palavra são dignos de duplos honorários” 1Tm 5.17. O justo viverá pela fé, confiando que o Soberano enviará os recursos para que a vocação não seja envergonhada e Seu Nome deixe de receber a Glória que Lhe é devida.

A regra da Escritura é a primazia do ministério, porém é possível entender que em alguns casos no contexto missionário se faz necessário o trabalho e assim o exercício do ministério bivocacional. Mas para benefício do ministério e bem da Igreja não há fundamento para que a exceção se torne a regra geral.

Particularmente reconheço também que o Ministro em alguns momentos da vida tenha necessidade de dividir seu tempo, mas não vejo fundamento para buscar isso e nem mesmo ser uma atitude permanente. O propósito de Deus é: “vivam do evangelho”, isso se tornará benefício à igreja e crédito da mesma diante do Senhor. Não é peso, mas benção sobre benção à igreja local.

Qual deve ser nossa atitude diante dessas questões?

1. Ter convicção interna e externa da vocação.

            a)  O dom que há em ti - 2Tm 2.6. O exercício da vocação não vai ser genuíno e ativo se não houver uma motivação interior. O sentimento de “para onde iremos nós?” precisa inundar o coração e conduzir a vida do vocacionado, também percebe-se que essa motivação se torna parte da vida do Ministro quando o mesmo se dedica nas disciplinas espirituais, não há desejo pela causa sagrada sem a prática da oração e leitura das Escrituras, por esses meios nos relacionamos com Deus e recebemos o alimento necessário para o exercício da vocação no ministério sagrado. A convicção interna é que o levará ao “aí de mim”!

b)  A imposição de mãos - 2Tm 2.6. A vocação não acontece apenas na experiência mística individual, além de toda manifestação da glória de Deus e o ouvir do Espírito, o texto revela a necessidade de convicção externa. A igreja é o agente da realização da obra de Deus, sendo assim os Ministros e toda a congregação possuem participação ativa no chamado de alguém, por isso o Apóstolo diz: “...pela imposição de minhas mãos”. Ele mesmo vivenciou esse padrão, em Atos recebemos o relato dizendo: “Enquanto adoravam ao Senhor e jejuavam, disse o Espírito Santo: "Separem-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado". Assim, depois de jejuar e orar, impuseram-lhes as mãos e os enviaram. 13.2-3.

2. Obediência imediata

a) Seguir a vocação é ter atitude radical – Não somos covardes-2Tm 1.7. Servir ao Senhor é uma atitude espiritual e bem estranha para aqueles que não discernem as coisas do Espírito. Talvez alguém que ainda não amadureceu sua fé ou não entendeu a vocação tenha dificuldades, mas aqueles que Deus chamou precisam tomar uma decisão e não fugir para Társis e nem mesmo escolher suas riquezas ou preferir enterrar os pais primeiro.

b) Ouvindo Jesus deixaram no mesmo instante, imediatamente (Mt 4). O chamado dos discípulos revela a importância de todos os pontos acima e nos encoraja a caminhar com o Senhor, com o coração livre, mesmo sendo difícil. Logo após a obediência a glória de Deus e a graça se tornarão suficientes para uma vida em plena comunhão e serviço no reino do Amado. Para os obedientes a contemplação da glória e o viver a glória na edificação e salvação dos perdidos serão a recompensa e a única satisfação.

Conclusão:

Desejo concluir esse artigo com uma oração que expressa à verdadeira vocação e a necessidade de um retorno aos seus princípios Bíblicos. “Deus, dá-nos homens que não temam o progresso, entretanto que não renunciem as profundas convicções de suas almas; homens de caráter verdadeiro, que se conhecem e que tremem diante do pensamento de colocar o ministério em dúvida”. Miguel Mojica


Que Deus em sua misericórdia de nos chamar inflame nosso coração com Sua Palavra e majestade!