Introdução:
Em
tempos em que a comunicação é vibrante, as informações são rápidas e de fácil
acesso e as redes sociais se tornaram meios para divulgar ideias e expressar
sentimentos, vê-se que cresce as disputas e discussões no âmbito político,
filosófico e teológico. Em relação as discussões teológicas acredito que há
muitas contribuições saudáveis e importantes, porém ao mesmo tempo encontramos
exageros, desrespeito e ofensas constantes. Talvez, por isso cresce o número de
pessoas desanimadas e a presença daqueles que eu chamo de “moderistas”. Sendo
assim, cheguei à conclusão que um breve artigo sobre discussão teológica
poderia contribuir para uma pequena reflexão sobre o assunto.
1.
No campo da teologia a discussão é inevitável e importante.
O
cristão é chamado por Deus para buscar o conhecimento (Pv 2; 2Pe 3.18). Na
medida em que seu conhecimento sobre Deus aumenta, o cristão começa a pensar em
suas crenças de forma inteligente e formal. Como o cristianismo não é uma
religião folclórica é necessário formular convicções e práticas religiosas para
devoção, serviço cotidiano e influência da sociedade. Isso é teologia! A
questão é que para firmar suas convicções e fazê-las conhecidas é preciso
testá-las, receber críticas e fazer uma auto-análise constante. Em nosso caso,
isso é feito através da interpretação das Escrituras, da tradição e da
aplicação prática no ministério da igreja e na evangelização mundial. Todo esse
labor e as convicções formuladas serão expostas em pregações, palestras,
artigos, conversas informais e postagens em redes sociais. De um jeito ou de
outro, independente do lugar onde estamos, em algum momento as nossas crenças e
pressupostos teológicos e filosóficos serão conhecidos e até mesmo quando
escondemos ou tentamos “deixar pra lá”, nós estamos revelando pressupostos.
Essa
exposição e divulgação pública de ideias geram as discussões. Quando alguns
“indivíduos desceram da Judéia” e começaram a “ensinar aos irmãos” a
obrigatoriedade da circuncisão para a salvação foi que Paulo e Barnabé
promoveram “não pequena discussão”. Então, essa discussão foi levada aos
apóstolos e presbíteros que após “examinar a questão”, permitiram um “grande
debate” (At 15. 1-7). Essa grande discussão foi teológica, mas outra situação
pode gerar discussão; as atitudes hipócritas e dissimuladas de irmãos por
exemplo (Gl 2.11-21). A discussão teológica sempre esteve presente na história
da igreja, tenho lido dezenas de cartas produzidas no período da Reforma e os
constantes debates públicos e em sínodos eclesiásticos. Muitos documentos e
pensamentos teológicos que saíram dessas discussões se tornaram confissões,
catecismos e pontos teológicos importantes para nossa doutrina e defesa da fé.
2.
A discussão não é o problema, mas o trato sim.
O
problema é que nossos pressupostos e fortes convicções às vezes são dominados
por nossa natureza pecaminosa, daí a falta de sabedoria e domínio próprio que
permitem ao cristão desfrutar dos prazeres da carne e com isso se tornar um
instrumento de “guerras e contendas”, matando e invejando sem nada obter (Tg 4.
1-3). O trato cristão em questão de discussão teológica tem suas próprias
regras (mandamentos recíprocos), mas também é valioso pensar nos princípios de
integridade intelectual e a razão de ser da discussão (você deseja dialogar,
crescer ou aparecer?). Nessas questões gosto muito de pensar que a discussão
teológica é muito proveitosa e um recurso fabuloso para que a graça de Deus se
manifeste na busca pelo conhecimento e no aprendizado mútuo e também no tratamento
do nosso caráter pelas diferenças nas diversidades e multiforme sabedoria
divina (Ef 3. 10). O contrário disso é que não há sabedoria na ofensa e muito
menos louvor em denegrir a integridade de pensamento daquele que é irmão em
Cristo.
Nossa
condição humana e pecaminosa nos humilha e nos coloca frente a frente com a
diversidade naqueles assuntos não essenciais. Nossas posições teológicas são
carregadas de pressupostos, pormenores e particulares. Nas questões
particulares deveríamos promover reflexões e diálogos para que juntos
pudéssemos dizer: “penso que essa teologia está mais perto das Escrituras”.
Porém, não sendo inspiração e autoridade ela deverá nos humilhar, pois Deus
encerra a produção teológica como possíveis e não como verdade plena; essa só é
encontrada na própria Escritura e nas teologias gerais ou essenciais. Creio que
atribuir verdade plena a uma linha teológica é arrogância e falta de sabedoria
e militar sem cordialidade é ultrajante, pois é possível ter convicções e ser
conservador mantendo a paz e comunhão com as diferenças. Podemos atribuir
inconsistência a outra interpretação (se for possível), mas não heresia e ainda
podemos elevar o tom para uma discussão fervorosa, mas sempre excluindo a
ofensa e o desrespeito. No caso de heresias, o assunto deve ser levado à
concílio (At 15), nesse caso as denominações possuem seus modus operandis para
isso e devem ser respeitados e acatados por todos aqueles que subscrevem seus
documentos e confissões.
3.
Convicções e Pressupostos.
Ser
convicto e firme é uma virtude cristã. O que precisamos é saber discernir
nossas particularidades e com nossas convicções argumentar e dialogar. As
particularidades são tentativas de compreender a vontade de Deus e como isso é
prática constante de todo o homem piedoso essas particularidades se tornam
métodos e lentes para nossa teologia e leitura das Escrituras. No exercício da
piedade recebemos influências dos nossos mestres, que pelo amor à verdade
imprimem em nós suas interpretações e métodos para que com reverência cheguemos
a Deus através das Escrituras. Mesmo sem condições de discernir toda a verdade
dos pormenores que ficam escondidos em Deus, eles desejam e se esmeram para nos
formar a imagem de Cristo e nos reformar na alma pelo refrigério da perfeita
lei de Deus. Essas coisas também aprendemos com os livros que com esforço e
suor esses mestres escrevem na presença de Deus. Por isso, notabilíssimos
irmãos, mantenhamos firmes nossa confissão, defendamos o verdadeiro evangelho e
a Pessoa do Nosso Senhor e até sua bendita volta busquemos nos aproximar das
Escrituras com nossas teologias, mas sempre preservando o vínculo da paz, o
respeito e a comunhão com todos os que amam a Cristo e Sua Palavra.
Tenho
crido que as diferenças de opiniões nas particularidades por possíveis
interpretações são benefícios de Deus para promover em nós humildade e unidade.
Ele nos humilha em nossas limitações fazendo nos confusos e colocando-se como o
único verdadeiro e Senhor da verdade (Rm 3. 1-8). Não podemos ser “demasiadamente
justos e nem exageradamente sábios” (Ecl 7. 16), mas deveríamos ter nobreza em
considerar o outro “superior a nós mesmos” (Fp 2. 3) e mesmo no exercício da
docência, como mestres da Palavra, “lavar os pés dos nossos irmãos” (Jo 13.
1-20), assim como nosso Reverendíssimo Senhor fez.
4.
Nosso campo de batalha.
“Porque
as armas da nossa milícia não são carnais, e sim, poderosas em Deus, para
destruir fortalezas; anulando sofismas e toda altivez que se levante contra o
conhecimento de Deus, levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo”
(2Coríntios 10. 4-5). Nosso adversário é o Maligno, sua principal estratégia
desde o início é formular argumentos falaciosos, deturpar a verdade de Deus e
construir estruturas religiosas e filosóficas anticristãs. Por essa razão,
todas as áreas da teologia, a filosofia e a apologética são instrumentos
essenciais para a batalha espiritual e o cumprimento da missão redentora.
Aqui
nós temos um vasto campo de batalha em comum. A razão disso é o crescimento das
influências do liberalismo em nossas igrejas e seminários e a forte influência
da praga neopentecostal em muitas igrejas, no caso da minha denominação a erva
daninha neopentecostal é o maior problema. Daí meus irmãos, a importância de
sermos um bom tribunal de Cristo (1Cor 6. 1-11); condenando e denunciando
publicamente suas heresias e imoralidades.
Há
dois tipos de gente aqui, causando estragos em nossas igrejas. a) aqueles que causam desordem por sua
insubmissão e divisões; esses são desleais, trazem costumes antibíblicos para
nossas igrejas, desobedecem normas e decisões e quando são julgados ou
denunciados, convencem suas igrejas com seus erros e tiram as igrejas de suas denominações,
se tornando após isso soberanos e livres de autoridades superiores, são os
Diótrefes de hoje (3Jo 9-11). b)
aqueles que afastam nosso povo do verdadeiro culto a Deus; esses introduzem
superstições e desordem com seus elementos de culto que somente servem para a
idolatria, diversão e entretenimento dos bodes (Spurgeon) e ainda oprimem com seus
títulos e exploração ou com a libertinagem dos antinomistas; alimentando a
informalidade, anulando a reverência do culto solene e desprezando o Dia do
Senhor.
Nesses
casos nossas igrejas precisam de uma boa ordem e disciplina. Concordo
plenamente com os Reformados quando definiram a disciplina como uma das marcas
da verdadeira igreja. A falta de disciplina para os filhos de Deus (1Cor 11.32;
2Tm 2. 24-26; Hb 12. 4-13) é uma clara demonstração de falta de amor da igreja
e um desleixo com o caráter de Cristo em formação em cada um de nós; e a falta
de punição para os impenitentes é falta de zelo e compromisso com o juízo de
Deus, é uma ofensa ao Senhor, pois mancha seu precioso Nome e santidade (Mt
18.17; Rm 2. 21-24; 1Cor 5. 1-13). Esses homens que vivem na imoralidade,
ensinam heresias e demonstram intenções destrutivas devem ser julgados e
expulsos da igreja. O Apóstolo nos dá uma lista de situações em que os homens
maus devem ser punidos (1Tm 1.20; 4. 1-11; 6. 3-10; Tt 3. 10-11). Talvez como
nunca antes, precisamos que Deus levante em nossas denominações em geral e na
política uma liderança conservadora, tanto na doutrina, como no trato
administrativo e disciplinar.
5.
Moderismo ou Moderação.
A
moderação é uma disciplina espiritual e indispensável nas discussões teológicas,
a qual o cristão utilizando do discernimento que julga todas as coisas se
domina e através do conhecimento e sabedoria promove crescimento, tanto para si
mesmo no poder do Espirito e da Palavra, como para aqueles que fazem parte do
seu convívio social. Ter moderação ou ser moderado no sentido bíblico não é o
mesmo que ser moderista (é um neologismo).
Tenho
chamado de moderista aquelas pessoas que seguem os princípios filosóficos dos
modernistas do século XX. Esses permitiram a entrada dos liberais nos
seminários e universidades e seguem aquela ideia do “deixa pra lá”. Não sou
simpatizante dessa filosofia e nem de seus pressupostos, são muito abertos e
praticistas. O moderista surfa na onda do essencialismo ou usa argumentos do biblicismo
seitário, ou seja, ele super valoriza aquilo que é essencial, por isso se
incomoda com posições firmes, com assuntos históricos, culturais e com uma
leitura teo-referente da realidade e ainda não se indispõe com ninguém (exceto
com os conservadores). Os moderistas normalmente seguem o princípio católico
normativo (Richard Hooker) para a vida cristã e o culto – esse princípio diz:
“se uma prática não for proibida pelas Escrituras, qualquer um e igreja está
livre para usá-la e nortear a vida do cristão”. Com isso, eles negam o
princípio protestante da Confissão de Westminster: “Todo o conselho de Deus
concernente a todas as cousas necessárias para a glória dele e para a salvação,
fé e vida do homem, ou esta expressamente declarado na Escritura ou pode ser
lógica e claramente deduzido dela”; como explica Warfield: “É requerido que os
homens creiam e obedeçam não somente o que é expressamente declarado na
Escritura, mas também no que pode ser lógica e claramente deduzido dela”. Os
socinianos e arminianos antigos confinavam a autoridade das Escrituras apenas
às suas asseverações literais. Com isso, alguns negam a doutrina da Trindade,
imortalidade da alma, decretos de Deus, pacto das obras, etc; e rejeitam o
princípio regulador do culto.
Esse
princípio usado pelos moderistas também promove o sincretismo cultural,
elevando a normalidade o que é mundano ou liberando a igreja para fazer o que
quer (libertinagem). Tenho ouvido muito a frase: “posso fazer, pois a Bíblia
não proíbe” ou “isso não está na Bíblia”. Minha pergunta é; não deveria ser o
contrário? O silêncio de Deus é um salvo conduto ou um não? Se tal prática não
é clara e nem pode ser deduzida será que agrada a Deus? Não seria perigoso
relativizar a vida cristã e tornar os aspectos da vida e da igreja subjetivos?
Já sei o que vão dizer meus amados irmãos: “Você é LEGALISTA”!!!! Fique
tranquilo, pois creio na salvação somente em Cristo por meio da graça e no
terceiro uso da lei apenas como um meio do Espírito santificar o crente. Penso
assim porque sou protestante e creio firmemente na suficiência das Escrituras e
sua absoluta autoridade sobre a igreja e o crente.
Em
relação moderação há alguns textos bíblicos que a colocam como um requisito
fundamental da vida cristã e muito mais para o exercício do ministério sagrado.
“Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de
si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé
que Deus repartiu a cada um” (Rm 12.3). “Porque Deus não nos tem dado espírito
de covardia, mas de poder, de amor e de moderação”. “... fazendo-o, todavia,
com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam
contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento
em Cristo...” (1Pe 3.16).
A
moderação é um meio para aplicar o “vínculo da paz” e também despertar reflexão
sincera e decisões verdadeiras. Um homem com moderação sabe que algumas
atitudes poderão ser úteis nas discussões teológicas: Não se concentre em seus
próprios desejos e aspirações, nós fomos chamados para buscar sempre a glória
de Deus e o que é próprio do seu Reino e vontade; reconheça que você é pecador
e cuide para tirar “a trave do teu próprio olho e somente depois, ainda com
graça e misericórdia, cuide para tirar a trave do olho do teu irmão (Mt 7.
3-5); considere se vale realmente a pena lutar por isso; ignore ofensas
pequenas e mantenha a cordialidade e se retrate quando errar; interprete o que
escuta e lê, com muito cuidado e olhando o contexto; “fale os oráculos de Deus”
e diminua suas próprias opiniões, sempre demonstrando seus pressupostos e
método adotado; abra mão dos seus direitos, um juiz chamado Antonin Scalia
disse: “O que é lícito nem sempre é correto, o que é moralmente aceito nem
sempre é adequado segundo a Bíblia e há situações em que o exercer o direito é
realmente errado e destrói vidas e corações”; trate seu coração, pois segundo a
Bíblia os conflitos vem de lá (Tg 4. 1).
Conclusão:
Por
todas essas coisas, vamos lutar para que nossas diferenças de opiniões
contribuam para a unidade e humildade dentro da diversidade. No corpo de Cristo
um é reformado, que bom está mais próximo das Escrituras; porém que tipo de
reformado? É mais calviniano ou puritano? Supralapsarianista ou
infralapsarianista? Compatibilista ou incompatibilista? De 5 ou 4 pontos? Ou
como o Packer que não gosta muito disso (é muito limitado isso)? Neocalvinista
ou neopuritano? Outro é dispensacionalista; você é dispensacionalista? Tá! Mas
é clássico ou revisado? Normativo (existe?) ou Progressista? Se é
dispensacionalista, é antinomista (credo) ou crê no terceiro uso da lei como
meio de santificação? Outro ainda com muito amor e piedade consegue ser arminiano.
Se é, segue o arminianismo de coração (mais bíblico) ou de cabeça (sai fora
desse seu liberal)? E missões? Crês no conceito reformado e tradicional de
missões? Ou aderiu a moda de igreja missional? Ou milita na missão integral
(tem gente muito boa aqui)? Gosta do movimento de Lausanne? Deveria, pois seus documentos
são muito bíblicos.
Entendeu
como precisamos da tolerância cristã e misericórdia de Deus? Que Deus nos
ajude!!!!!!