17 de fevereiro de 2017

AS DISCUSSÕES TEOLÓGICAS


Introdução:

Em tempos em que a comunicação é vibrante, as informações são rápidas e de fácil acesso e as redes sociais se tornaram meios para divulgar ideias e expressar sentimentos, vê-se que cresce as disputas e discussões no âmbito político, filosófico e teológico. Em relação as discussões teológicas acredito que há muitas contribuições saudáveis e importantes, porém ao mesmo tempo encontramos exageros, desrespeito e ofensas constantes. Talvez, por isso cresce o número de pessoas desanimadas e a presença daqueles que eu chamo de “moderistas”. Sendo assim, cheguei à conclusão que um breve artigo sobre discussão teológica poderia contribuir para uma pequena reflexão sobre o assunto.

1. No campo da teologia a discussão é inevitável e importante.

O cristão é chamado por Deus para buscar o conhecimento (Pv 2; 2Pe 3.18). Na medida em que seu conhecimento sobre Deus aumenta, o cristão começa a pensar em suas crenças de forma inteligente e formal. Como o cristianismo não é uma religião folclórica é necessário formular convicções e práticas religiosas para devoção, serviço cotidiano e influência da sociedade. Isso é teologia! A questão é que para firmar suas convicções e fazê-las conhecidas é preciso testá-las, receber críticas e fazer uma auto-análise constante. Em nosso caso, isso é feito através da interpretação das Escrituras, da tradição e da aplicação prática no ministério da igreja e na evangelização mundial. Todo esse labor e as convicções formuladas serão expostas em pregações, palestras, artigos, conversas informais e postagens em redes sociais. De um jeito ou de outro, independente do lugar onde estamos, em algum momento as nossas crenças e pressupostos teológicos e filosóficos serão conhecidos e até mesmo quando escondemos ou tentamos “deixar pra lá”, nós estamos revelando pressupostos.

Essa exposição e divulgação pública de ideias geram as discussões. Quando alguns “indivíduos desceram da Judéia” e começaram a “ensinar aos irmãos” a obrigatoriedade da circuncisão para a salvação foi que Paulo e Barnabé promoveram “não pequena discussão”. Então, essa discussão foi levada aos apóstolos e presbíteros que após “examinar a questão”, permitiram um “grande debate” (At 15. 1-7). Essa grande discussão foi teológica, mas outra situação pode gerar discussão; as atitudes hipócritas e dissimuladas de irmãos por exemplo (Gl 2.11-21). A discussão teológica sempre esteve presente na história da igreja, tenho lido dezenas de cartas produzidas no período da Reforma e os constantes debates públicos e em sínodos eclesiásticos. Muitos documentos e pensamentos teológicos que saíram dessas discussões se tornaram confissões, catecismos e pontos teológicos importantes para nossa doutrina e defesa da fé.

2. A discussão não é o problema, mas o trato sim.

O problema é que nossos pressupostos e fortes convicções às vezes são dominados por nossa natureza pecaminosa, daí a falta de sabedoria e domínio próprio que permitem ao cristão desfrutar dos prazeres da carne e com isso se tornar um instrumento de “guerras e contendas”, matando e invejando sem nada obter (Tg 4. 1-3). O trato cristão em questão de discussão teológica tem suas próprias regras (mandamentos recíprocos), mas também é valioso pensar nos princípios de integridade intelectual e a razão de ser da discussão (você deseja dialogar, crescer ou aparecer?). Nessas questões gosto muito de pensar que a discussão teológica é muito proveitosa e um recurso fabuloso para que a graça de Deus se manifeste na busca pelo conhecimento e no aprendizado mútuo e também no tratamento do nosso caráter pelas diferenças nas diversidades e multiforme sabedoria divina (Ef 3. 10). O contrário disso é que não há sabedoria na ofensa e muito menos louvor em denegrir a integridade de pensamento daquele que é irmão em Cristo.

Nossa condição humana e pecaminosa nos humilha e nos coloca frente a frente com a diversidade naqueles assuntos não essenciais. Nossas posições teológicas são carregadas de pressupostos, pormenores e particulares. Nas questões particulares deveríamos promover reflexões e diálogos para que juntos pudéssemos dizer: “penso que essa teologia está mais perto das Escrituras”. Porém, não sendo inspiração e autoridade ela deverá nos humilhar, pois Deus encerra a produção teológica como possíveis e não como verdade plena; essa só é encontrada na própria Escritura e nas teologias gerais ou essenciais. Creio que atribuir verdade plena a uma linha teológica é arrogância e falta de sabedoria e militar sem cordialidade é ultrajante, pois é possível ter convicções e ser conservador mantendo a paz e comunhão com as diferenças. Podemos atribuir inconsistência a outra interpretação (se for possível), mas não heresia e ainda podemos elevar o tom para uma discussão fervorosa, mas sempre excluindo a ofensa e o desrespeito. No caso de heresias, o assunto deve ser levado à concílio (At 15), nesse caso as denominações possuem seus modus operandis para isso e devem ser respeitados e acatados por todos aqueles que subscrevem seus documentos e confissões.

3. Convicções e Pressupostos.

Ser convicto e firme é uma virtude cristã. O que precisamos é saber discernir nossas particularidades e com nossas convicções argumentar e dialogar. As particularidades são tentativas de compreender a vontade de Deus e como isso é prática constante de todo o homem piedoso essas particularidades se tornam métodos e lentes para nossa teologia e leitura das Escrituras. No exercício da piedade recebemos influências dos nossos mestres, que pelo amor à verdade imprimem em nós suas interpretações e métodos para que com reverência cheguemos a Deus através das Escrituras. Mesmo sem condições de discernir toda a verdade dos pormenores que ficam escondidos em Deus, eles desejam e se esmeram para nos formar a imagem de Cristo e nos reformar na alma pelo refrigério da perfeita lei de Deus. Essas coisas também aprendemos com os livros que com esforço e suor esses mestres escrevem na presença de Deus. Por isso, notabilíssimos irmãos, mantenhamos firmes nossa confissão, defendamos o verdadeiro evangelho e a Pessoa do Nosso Senhor e até sua bendita volta busquemos nos aproximar das Escrituras com nossas teologias, mas sempre preservando o vínculo da paz, o respeito e a comunhão com todos os que amam a Cristo e Sua Palavra.

Tenho crido que as diferenças de opiniões nas particularidades por possíveis interpretações são benefícios de Deus para promover em nós humildade e unidade. Ele nos humilha em nossas limitações fazendo nos confusos e colocando-se como o único verdadeiro e Senhor da verdade (Rm 3. 1-8). Não podemos ser “demasiadamente justos e nem exageradamente sábios” (Ecl 7. 16), mas deveríamos ter nobreza em considerar o outro “superior a nós mesmos” (Fp 2. 3) e mesmo no exercício da docência, como mestres da Palavra, “lavar os pés dos nossos irmãos” (Jo 13. 1-20), assim como nosso Reverendíssimo Senhor fez. 

4. Nosso campo de batalha.

“Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim, poderosas em Deus, para destruir fortalezas; anulando sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Coríntios 10. 4-5). Nosso adversário é o Maligno, sua principal estratégia desde o início é formular argumentos falaciosos, deturpar a verdade de Deus e construir estruturas religiosas e filosóficas anticristãs. Por essa razão, todas as áreas da teologia, a filosofia e a apologética são instrumentos essenciais para a batalha espiritual e o cumprimento da missão redentora.

Aqui nós temos um vasto campo de batalha em comum. A razão disso é o crescimento das influências do liberalismo em nossas igrejas e seminários e a forte influência da praga neopentecostal em muitas igrejas, no caso da minha denominação a erva daninha neopentecostal é o maior problema. Daí meus irmãos, a importância de sermos um bom tribunal de Cristo (1Cor 6. 1-11); condenando e denunciando publicamente suas heresias e imoralidades.

Há dois tipos de gente aqui, causando estragos em nossas igrejas. a) aqueles que causam desordem por sua insubmissão e divisões; esses são desleais, trazem costumes antibíblicos para nossas igrejas, desobedecem normas e decisões e quando são julgados ou denunciados, convencem suas igrejas com seus erros e tiram as igrejas de suas denominações, se tornando após isso soberanos e livres de autoridades superiores, são os Diótrefes de hoje (3Jo 9-11). b) aqueles que afastam nosso povo do verdadeiro culto a Deus; esses introduzem superstições e desordem com seus elementos de culto que somente servem para a idolatria, diversão e entretenimento dos bodes (Spurgeon) e ainda oprimem com seus títulos e exploração ou com a libertinagem dos antinomistas; alimentando a informalidade, anulando a reverência do culto solene e desprezando o Dia do Senhor.

Nesses casos nossas igrejas precisam de uma boa ordem e disciplina. Concordo plenamente com os Reformados quando definiram a disciplina como uma das marcas da verdadeira igreja. A falta de disciplina para os filhos de Deus (1Cor 11.32; 2Tm 2. 24-26; Hb 12. 4-13) é uma clara demonstração de falta de amor da igreja e um desleixo com o caráter de Cristo em formação em cada um de nós; e a falta de punição para os impenitentes é falta de zelo e compromisso com o juízo de Deus, é uma ofensa ao Senhor, pois mancha seu precioso Nome e santidade (Mt 18.17; Rm 2. 21-24; 1Cor 5. 1-13). Esses homens que vivem na imoralidade, ensinam heresias e demonstram intenções destrutivas devem ser julgados e expulsos da igreja. O Apóstolo nos dá uma lista de situações em que os homens maus devem ser punidos (1Tm 1.20; 4. 1-11; 6. 3-10; Tt 3. 10-11). Talvez como nunca antes, precisamos que Deus levante em nossas denominações em geral e na política uma liderança conservadora, tanto na doutrina, como no trato administrativo e disciplinar.

5. Moderismo ou Moderação.

A moderação é uma disciplina espiritual e indispensável nas discussões teológicas, a qual o cristão utilizando do discernimento que julga todas as coisas se domina e através do conhecimento e sabedoria promove crescimento, tanto para si mesmo no poder do Espirito e da Palavra, como para aqueles que fazem parte do seu convívio social. Ter moderação ou ser moderado no sentido bíblico não é o mesmo que ser moderista (é um neologismo).

Tenho chamado de moderista aquelas pessoas que seguem os princípios filosóficos dos modernistas do século XX. Esses permitiram a entrada dos liberais nos seminários e universidades e seguem aquela ideia do “deixa pra lá”. Não sou simpatizante dessa filosofia e nem de seus pressupostos, são muito abertos e praticistas. O moderista surfa na onda do essencialismo ou usa argumentos do biblicismo seitário, ou seja, ele super valoriza aquilo que é essencial, por isso se incomoda com posições firmes, com assuntos históricos, culturais e com uma leitura teo-referente da realidade e ainda não se indispõe com ninguém (exceto com os conservadores). Os moderistas normalmente seguem o princípio católico normativo (Richard Hooker) para a vida cristã e o culto – esse princípio diz: “se uma prática não for proibida pelas Escrituras, qualquer um e igreja está livre para usá-la e nortear a vida do cristão”. Com isso, eles negam o princípio protestante da Confissão de Westminster: “Todo o conselho de Deus concernente a todas as cousas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou esta expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela”; como explica Warfield: “É requerido que os homens creiam e obedeçam não somente o que é expressamente declarado na Escritura, mas também no que pode ser lógica e claramente deduzido dela”. Os socinianos e arminianos antigos confinavam a autoridade das Escrituras apenas às suas asseverações literais. Com isso, alguns negam a doutrina da Trindade, imortalidade da alma, decretos de Deus, pacto das obras, etc; e rejeitam o princípio regulador do culto.

Esse princípio usado pelos moderistas também promove o sincretismo cultural, elevando a normalidade o que é mundano ou liberando a igreja para fazer o que quer (libertinagem). Tenho ouvido muito a frase: “posso fazer, pois a Bíblia não proíbe” ou “isso não está na Bíblia”. Minha pergunta é; não deveria ser o contrário? O silêncio de Deus é um salvo conduto ou um não? Se tal prática não é clara e nem pode ser deduzida será que agrada a Deus? Não seria perigoso relativizar a vida cristã e tornar os aspectos da vida e da igreja subjetivos? Já sei o que vão dizer meus amados irmãos: “Você é LEGALISTA”!!!! Fique tranquilo, pois creio na salvação somente em Cristo por meio da graça e no terceiro uso da lei apenas como um meio do Espírito santificar o crente. Penso assim porque sou protestante e creio firmemente na suficiência das Escrituras e sua absoluta autoridade sobre a igreja e o crente.

Em relação moderação há alguns textos bíblicos que a colocam como um requisito fundamental da vida cristã e muito mais para o exercício do ministério sagrado. “Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Rm 12.3). “Porque Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação”. “... fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo...” (1Pe 3.16).

A moderação é um meio para aplicar o “vínculo da paz” e também despertar reflexão sincera e decisões verdadeiras. Um homem com moderação sabe que algumas atitudes poderão ser úteis nas discussões teológicas: Não se concentre em seus próprios desejos e aspirações, nós fomos chamados para buscar sempre a glória de Deus e o que é próprio do seu Reino e vontade; reconheça que você é pecador e cuide para tirar “a trave do teu próprio olho e somente depois, ainda com graça e misericórdia, cuide para tirar a trave do olho do teu irmão (Mt 7. 3-5); considere se vale realmente a pena lutar por isso; ignore ofensas pequenas e mantenha a cordialidade e se retrate quando errar; interprete o que escuta e lê, com muito cuidado e olhando o contexto; “fale os oráculos de Deus” e diminua suas próprias opiniões, sempre demonstrando seus pressupostos e método adotado; abra mão dos seus direitos, um juiz chamado Antonin Scalia disse: “O que é lícito nem sempre é correto, o que é moralmente aceito nem sempre é adequado segundo a Bíblia e há situações em que o exercer o direito é realmente errado e destrói vidas e corações”; trate seu coração, pois segundo a Bíblia os conflitos vem de lá (Tg 4. 1).

Conclusão:

Por todas essas coisas, vamos lutar para que nossas diferenças de opiniões contribuam para a unidade e humildade dentro da diversidade. No corpo de Cristo um é reformado, que bom está mais próximo das Escrituras; porém que tipo de reformado? É mais calviniano ou puritano? Supralapsarianista ou infralapsarianista? Compatibilista ou incompatibilista? De 5 ou 4 pontos? Ou como o Packer que não gosta muito disso (é muito limitado isso)? Neocalvinista ou neopuritano? Outro é dispensacionalista; você é dispensacionalista? Tá! Mas é clássico ou revisado? Normativo (existe?) ou Progressista? Se é dispensacionalista, é antinomista (credo) ou crê no terceiro uso da lei como meio de santificação? Outro ainda com muito amor e piedade consegue ser arminiano. Se é, segue o arminianismo de coração (mais bíblico) ou de cabeça (sai fora desse seu liberal)? E missões? Crês no conceito reformado e tradicional de missões? Ou aderiu a moda de igreja missional? Ou milita na missão integral (tem gente muito boa aqui)? Gosta do movimento de Lausanne? Deveria, pois seus documentos são muito bíblicos.


Entendeu como precisamos da tolerância cristã e misericórdia de Deus? Que Deus nos ajude!!!!!!